ARTIGO DE VANI KENSKI

TECNOLOGIAS DIGITAIS E A UNIVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Profª. Dra. Vani M. Kenski
USP/ SITE Educacional


Em um mundo em constante mudança, a educação escolar tem de ser mais do que uma mera assimilação certificada de saberes, muito mais do que preparar o consumidor ou treinar pessoas para a utilização das tecnologias de informação e comunicação. A escola precisa assumir o papel de formar cidadãos para a complexidade do mundo e dos desafios que ele propõe. Preparar os cidadãos para lidarem criticamente com o excesso de informações e com a mudança. As transformações sucessivas dos conhecimentos em todas as áreas; o surgimento de novos perfis profissionais; o tempo curto de existência de novas e promissoras profissões; e a fragilidade em que se encontram conquistas sociais tradicionais - como o trabalho assalariado - requer a formação de novas habilidades para saber conviver em permanente processo de transformação.

O desenvolvimento científico e tecnológico, sobretudo da indústria eletroeletrônica, tem sido associado ao processo de globalização da economia. Estar fora dessa nova realidade social - chamada de Sociedade da Informação – é estar alijado das decisões e do movimento global da economia, finanças, políticas, etc... das informações e interações com todo o mundo. A sociedade excluída do atual estágio de desenvolvimento está ameaçada de viver em estado permanente de dominação, subserviência e barbárie.

Há mais de uma década, diversos países têm procurado elaborar políticas públicas que orientem a inserção da nação nessa nova sociedade. No Brasil, esse programa foi lançado em 1999 (www.socinfo.gov.br) , tendo sido elaborado um documento com a participação de profissionais de várias áreas do conhecimento e vários setores – público, provado e terceiro setor – e instituições: o Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, ou simplesmente, o Livro Verde (Pretto, 2002). Nele são apresentadas as bases para a discussão de um novo projeto de sociedade em todas as áreas: educação, mercado de trabalho, serviços, identidade cultural, governo, etc...

Em relação à função de educar para a Sociedade da Informação, de acordo com o "Livro Verde", "trata-se de investir na criação de competências suficientemente amplas que permitam ter uma atuação efetiva na produção de bens e serviços, tomar decisões fundamentadas no conhecimento, operar com fluência os novos meios e ferramentas em seu trabalho, bem como aplicar criativamente as novas mídias, seja em usos simples e rotineiros, seja em aplicações mais sofisticadas. Trata-se também de formar os indivíduos para "aprender a aprender" de modo a serem capazes de lidar positivamente com a contínua e acelerada transformação da base tecnológica".

Pensar a educação na sociedade da informação, conforme apresenta o Livro Verde, "exige considerar um leque de aspectos relativos às tecnologias de informação e comunicação. A começar pelos papéis que elas desempenham na construção de uma sociedade que tenha a inclusão e a justiça social como uma das prioridades principais".

A Sociedade da Informação está preocupada com o uso amplo de tecnologias digitais interativas em educação. No Brasil, a preocupação é a de que o uso intensivo dessas tecnologias possibilitem a democratização dos processos sociais, a transparência de políticas e de ações do governo, a mobilização dos cidadãos e sua participação ativa nas instâncias cabíveis. Para garantir o alcance desses objetivos, as proposições do Livro Verde sobre a relação entre educação e as tecnologias de comunicação e informação é de que estas "devem ser utilizadas para integrar a escola e a comunidade, de tal sorte que a educação mobilize a sociedade e a clivagem entre o formal e o informal seja vencida".

O uso das tecnologias em educação, na perspectiva orientada pelos propósitos da Sociedade da Informação no Brasil, exige a adoção de novas abordagens pedagógicas, novos caminhos que acabem com o isolamento da escola e a coloquem em permanente situação de diálogo e cooperação com as demais instâncias existentes na sociedade, a começar com os seus próprios alunos.

A escola não vai perder sua posição de instituição social e educacional, mas vai ampliar a sua missão para que possa "responder a uma pluralidade de mandatos sociais (de instrução, de socialização, de profissionalização, de participação cívica, de formação ética, de desenvolvimento estético,...), subordinando-os não apenas ao referente econômico (formar recursos humanos, fatores de produção), mas ao desenvolvimento das pessoas, qualquer que seja a sua idade, qualquer que seja o momento em que procuram o ensino e a formação” (Azevedo).

A educação escolar não deverá servir apenas para a preparação das pessoas para o exercício das funções sociais e a sua adaptação às oportunidades sociais existentes, ligadas à empregabilidade, cada vez mais fugaz. Não estará voltada também para a exclusiva aprendizagem instrumental de normas e competências ligadas ao domínio e fluência no emprego de equipamentos e serviços, como simples usuários. A escola deve antes se pautar pela intensificação das oportunidades de aprendizagem e autonomia dos alunos em relação a busca de conhecimentos, da definição de seus caminhos, da liberdade para que possam criar oportunidades e serem os sujeitos da sua existência.

As tecnologias de informação e comunicação (TIC) e o ciberespaço, como um novo espaço pedagógico, oferecem grandes possibilidades e desafios para a atividade cognitiva, afetiva e social dos alunos e dos professores de todos os níveis de ensino, do jardim de infância à universidade. Mas para que isso se concretize é preciso olhá-los de uma nova perspectiva. Até aqui, os computadores e a internet têm sido vistos, sobretudo, como fontes de informação e como ferramentas de transformação dessa informação. Mais do que o caráter instrumental e restrito do uso das tecnologias para a realização de tarefas em sala de aula é chegada a hora de alargar os horizontes da escola e dos seus participantes, ou seja, de todos.

O que se propõe para a educação de cada cidadão dessa nova sociedade é não apenas formar o consumidor e usuário de tecnologias cada vez mais distintas, mas que todos tenham condições de também serem criadores, autônomos e críticos em suas aprendizagens e escolhas, podendo até mesmo serem produtores e desenvolvedores de tecnologias. Mais ainda, que possam não apenas aprender a usar e produzir, mas também interagir e participar socialmente. E, deste modo, integrar-se em novas comunidades e criar novos significados para a educação num espaço muito mais ampliado. Sair da sala de aula e alcançar o mundo.
Como diz o professor João Pedro da Ponte, "a sociedade e as tecnologias não seguem um rumo determinista. O rumo depende muito dos seres humanos e, sobretudo, da sua capacidade de discernimento coletivo. O problema com que nos defrontamos não é o simples domínio instrumental da técnica para continuarmos a fazer as mesmas coisas, com os mesmos propósitos e objetivos, apenas de uma forma um pouco diferente. Não é tornar a escola mais eficaz para alcançar os objetivos do passado. O problema é levar a escola a contribuir para uma nova forma de humanidade, onde a tecnologia está fortemente presente e faz parte do quotidiano, sem que isso signifique submissão à tecnologia". As tecnologias podem contribuir de modo decisivo para transformar a escola em um lugar da exploração de culturas, de realização de projetos, de investigação e debate.


Referências

AZEVEDO, J. “a educação básica e a formação profissional face aos novos desafios econômicos” in http://www.campus-oei.org/administracion/azevedop.htm (25/02/04).

KENSKI, Vani M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas. Ed. Papirus. 3ª. ed. 2006.

PONTE, João P. Tecnologias de informação e comunicação na formação de professores: Que desafios? In: http://www.campus-oei.org/revista/rie24a03.htm (25/02/04)

PRETTO, N. Desafios para Educação a distância na era da informação : o presencial, a distância, as mesmas políticas e o de sempre. In BARRETO, Raquel (org.). tecnologias educacionais e educação a distância : avaliando políticas e práticas. Rio de Janeiro, Ed. Quartet, 2002.

TAKAHASHI, T. (coord.) Livro Verde da sociedade da informação no Brasil. MCT/BRASIL. 2001. http://www.socinfo.org.br/livro_verde/download.htm (20/02/04)

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